De que forma os multiletramentos se encaixam na minha pesquisa
Para responder à pergunta “De que forma os
multiletramentos se encaixam com a sua pesquisa?” primeiramente, tenho que
realizar uma breve explicação sobre o tema da minha pesquisa, cujo título é: (Im)Polidez
Linguística em Editoriais Sobre o Segundo Turno das Eleições Presidenciais de
2018: um estudo pragmático da taxonomia de Culpeper no jornalismo hegemônico
brasileiro.
O trabalho pretende
analisar o uso das estratégias da (Im)Polidez
Linguística, com base na taxonomia de Culpeper, presente nos editoriais sobre o
segundo turno das eleições presidenciais de 2018 dos três principais veículos impressos
do jornalismo hegemônico brasileiro[1],
a saber, O Globo, O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo.
Escolhi como corpus
da pesquisa os editoriais: Segundo turno precisa discutir, enfim,
programas, do jornal O Globo (07/10/2018); Uma Escolha Muito
Difícil, do jornal o Estado de São Paulo (08/10/2018) e Brasil à Direita,
do jornal Folha de São Paulo (08/10/2018).
A pesquisa está situada
no interior dos estudos da Teoria da (Im)Polidez Linguística de Brown
e Levinson (1987) e Culpeper
(2005; 2011, 2016), que faz parte do campo maior de investigação da Pragmática,
posto que toma a linguagem como interação com influência do contexto
extralinguístico das interações comunicacionais.
O estudo tem como hipótese
primária que o
jornalismo hegemônico brasileiro contribuiu para a desconstrução da esquerda, mais especificamente, do
Partido dos Trabalhadores (PT), através de um discurso uníssono (presente no corpus), valendo-se
de recursos de (Im)Polidez Linguística, a
fim de gerar enunciados que estimulam à
construção/desconstrução das imagens dos sujeitos perante a opinião pública.
Com
base na Pragmática e na hipótese angular da minha pesquisa e sabendo que [...] o conceito
de letramento surge como uma forma de explicar o impacto da escrita em todas as
esferas de atividades [...]” (KLEIMAN, 2005, p.06), já podemos verificar a pertinência
dessa prática no meu trabalho. Pois, parto do pressuposto que o discurso em
comum, presente nos editoriais selecionados, da grande mídia brasileira impactaram
a opinião pública e, consequentemente, os eleitores.
Vale salientar, porém, que o discurso
jornalístico [...] envolve não só os textos escritos que aparecem no jornal,
mas também a discussão oral, que se faz na redação, das matérias que serão
notícia no jornal do dia seguinte, as considerações e correções que o editor
faz, tanto por escrito como oralmente, sobre o texto que o repórter apresentou
etc. Em outras palavras, é um discurso letrado, com práticas que envolvem tanto
a língua falada como a língua escrita. (KLEIMAN, 2005, p.43)
Neste ponto, faz-se
necessário um breve contexto do jornalismo hegemônico brasileiro, tendo como embasamento
estudos e matérias jornalísticas, próximas ao recorte temporal da minha
pesquisa. Já que “O letramento também significa compreender o sentido, numa
determinada situação, de um texto ou qualquer outro produto cultural escrito;
[...]” (KLEIMAN, 2005, p.10) e porque “Há uma tendência humana para
contextualizar a ação, e as atividades em que se usa a escrita não fogem dessa
tendência [...] as práticas de letramento são práticas situadas, [...]”
(KLEIMAN, 2005, p.25), assim como “as práticas de uso da escrita são
consideradas práticas situadas.” (KLEIMAN, 2005, p.32), seja para o melhor
desenvolvimento das habilidades do evento de letramento, seja para estudá-lo
como artefato, nosso caso.
O jornalismo no Brasil
é controlado por empresas familiares. 50% da mídia brasileira pertence a cinco
famílias e se “somados o grupo Estado, do jornal O Estado de S. Paulo; o grupo
Abril, da revista Veja; e o grupo Editorial Sempre Editora, do jornal O Tempo,
são oito famílias controlando 32 dos 50 maiores veículos, ou 64% da lista”.
(CAPITAL, 2017, on-line)[2].
Tais famílias são também oligarcas em
outros setores importantes da nossa sociedade, como bancos, igrejas e
faculdades
Além de controlar as empresas de comunicação, os proprietários
da mídia no Brasil mantêm fundações privadas que oferecem serviços educacionais
e empresas no setor de educação. São ativos nos setores financeiro, de
agronegócios, imobiliário, de energia e de saúde / empresas farmacêuticas. […]
A família Macedo, que controla o grupo Record e a Igreja Universal do Reino de
Deus, também domina um partido político, o Partido Republicano Brasileiro
(PRB), que conta com um ministro no governo federal, um senador, 24 deputados
federais, 37 deputados estaduais, 106 prefeitos e 1.619 vereadores.
(FRONTEIRAS, 2017, supressão nossa, on-line)[3].
E, apesar da expressa proibição de que
políticos controlem empresas de mídia, presente na nossa Constituição Federal,
“32 deputados federais e oito senadores controlam meios de comunicação, ainda
que não sejam seus proprietários formais.” (FRONTEIRAS, 2017, on-line)[4].
Na maioria dos casos, no entanto, os
laços entre políticos e meios de comunicação de massa são forjados por meio de
estruturas de rede e acordos comerciais em que grandes radiodifusores nacionais
sublicenciam sua marca e seu conteúdo para empresas no nível estadual. [...] Em
vários estados, as afiliadas das grandes redes são controladas por empresas que
representam diretamente políticos ou famílias com uma tradição política,
geralmente proprietárias de empresas em mais de um setor da mídia. Como reproduz
a concentração da propriedade da terra no Brasil, esse fenômeno é definido, por
pesquisadores, como coronelismo eletrônico. (FRONTEIRAS, 2017, supressão nossa,
on-line)[5].
É certo que esse coronelismo eletrônico
está alinhado com ideais conservadores de direita. “O DEM é o partido que
possui o maior número de políticos ligados a empresas de comunicação com 58
parlamentares ou 21,4%; em seguida vem o PMDB com 48 políticos ou 17,71%; em
terceiro lugar aparece o PSDB com 43 políticos ou 15,87%.” (HAILER, 2015, on-line)[6].
Não obstante o jornalismo hegemônico
brasileiro ser um cartel midiático, o Relatório de Jornalismo Digital 2017
apontou que “60% dos entrevistados no Brasil confiam nas notícias veiculadas
pelas empresas de comunicação” (O GLOBO, 2017)[7].
Essa confiança exacerbada é sabida pelos mass
media que a usa para atingirem seus interesses econômicos e políticos, agindo
na sociedade, através das “ [...] práticas sociais de uso da escrita" (KLEIMAN, 2005, p.20)
Podemos evidenciar o impacto do discurso jornalístico nas
práticas sociais, especificamente, na política, com a cobertura jornalística da
Operação Lava-jato.
Delações eram publicadas sem provas e sem
a devida preservação da identidade das pessoas investigadas. Atitude colocada
em xeque até mesmo pela ex-assessora do departamento de comunicação da Operação
Lava-jato, a jornalista Christianne Machiavell: “Talvez tenha faltado crítica da imprensa. Era tudo
divulgado do jeito como era citado pelos órgãos da operação. A imprensa
comprava tudo.” (AUDI, 2018, on-line)[8].
De acordo com John Comaroff, especialista
em lawfare[9]
e professor na Universidade Harvard, a “Operação Lava Jato viola a lei para
criar ‘presunção de culpa’ do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. [...]
Isso é ‘lawfare’. Você manipula a lei e cria uma presunção de culpa’” (BILENKY,
2016, on-line)[10].
Toda essa contextualização e conceituação
da problemática, na qual
expus alguns dos fatos da realidade da nossa estrutura social ligados ao tema
da pesquisa, como o fato do jornalismo brasileiro ser uma empresa
familiar, o coronelismo
eletrônico e o uso midiático do lawfare na criminalização da esquerda, serve
também para demonstrar o encaixe da crítica social do trabalho nos
multiletramentos, pois todo letramento é crítico e criticar é agir sobre o
contexto social.
Portanto, ao
identificarmos, por exemplo, a presença do letramento crítico e acadêmico, na
pesquisa, podemos afirmar que essa se encaixa nos multiletramentos.
O termo letramento foi
primeiramente proposto por Brian V. Street em 1984, que o definiu como uma
palavra síntese que agrega não só a leitura e a escrita, mas também as práticas
sociais ideologicamente orientadas. No Brasil, Mary Kato foi a autora quem
primeiro difundiu o termo, em 1986, no livro No mundo da escrita. Uma
perspectiva psicolinguística.
O Letramento crítico
advém a partir dos estudos de Street (2003), New Literacy Studies ou
Novos Estudos de Letramento ou Novos Letramentos, onde o autor propõe que o
ensino deve desenvolver habilidades de consciência críticas nos alunos “ou
seja, levar os alunos além do pensamento ingênuo e do senso comum, já que
proporcionam reflexões e ampliação de perspectivas.” (PIGNATARI, 2018, p.23).
Isto posto, entendemos também que a nossa
pesquisa se encaixa nos multiletramentos, pois, como explica Pignatari (2018,
p.23, 24)
(...) os Novos Estudos do Letramento e os
Multiletramentos representam dois campos teóricos para o estudo altamente
imbricados. A separação não é estanque nem permanente; pelo contrário, ambas as
teorias possuem mais pontos convergentes do que divergentes. Se considerarmos a
origem temporal de ambas, é possível deduzirmos que os Multiletramentos
emergiram no seio dos Novos Estudos do Letramento, compartilhando, com este, o
novo foco no social. Vale esclarecer que os multiletramentos apontam ‘para dois
tipos específicos e importantes de multiplicidade presentes em nossas
sociedades, principalmente urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade
cultural das populações e multiplicidade semiótica de constituição dos textos
por meio dos quais ela se informa e se comunica” (ROJO, 2012, p. 13).
Identificamos, também, que o nosso estudo se insere no
letramento acadêmico, visto que “O Letramento Acadêmico tem sido bastante
produtivo enquanto método para uma análise crítica. O espírito dentro do qual a
análise crítica é entendida é um caminho para encorajar a reflexão sobre a
prática profissional tradicional.” (FERREIRA, 2013, p. 38)
O letramento acadêmico surge com a
ampliação do ensino superior e da consequente necessidade de suporte aos discentes,
como explicações de como as práticas de escrita acadêmica operam, suas
instâncias discursivas e seus gêneros textuais, desenvolvimento de novos
métodos de ensino etc, sempre com o objetivo de manter o padrão de qualidade no
ensino superior.
Referência bibliográfica:
FERREIRA, M.de L. S. Letramentos acadêmicos em
contexto de expansão do ensino superior no Brasil. 2013. Tese de Doutorado. Doutorado em Educação, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, set. 2013.
KLEIMAN, A. B. Preciso Ensinar o
letramento? basta ensinar a ler e a escrever? Paulo: Unicamp, 2005.
PIGNATARI,
N. D. G. Letramento crítico na universidade: uma proposta para o desenho
de ambientes de discussão on-line. 2018. 236 f. Tese (Doutorado em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem) - Programa de Estudos Pós-Graduados em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, São Paulo, 2018.
[1] Jornalismo hegemônico, mídia hegemônica, grande mídia ou mass media, expressões utilizadas aqui como sinônimos e consideradas como sendo instituições midiáticas de perfil corporativista.
[2]
CAPITAL, Carta. Cinco famílias controlam
50% dos principais veículos de mídia do país, indica relatório.
Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/cinco-familias-controlam-50-dos-principais-veiculos-de-midia-do-pais-indica-relatorio/>.
Acesso em: 15 maio. 2018.
[3] FRONTEIRAS, Repórteres sem. Oligopólios
de mídia controlados por poucas famílias. A Repórteres sem Fronteiras e o
Intervozes lançam o Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil.
Disponível em:
<https://rsf.org/pt/noticia/oligopolios-de-midia-controlados-por-poucas-familias-reporteres-sem-fronteiras-e-o-intervozes-lancam>.
Acesso em: 15 maio. 2018.
[4] Ibidem
[5] Ibidem
[6] HAILER, Marcelo. Coronelismo
eletrônico: partidos contra a regulação da mídia são os campeões de concessão
em rádio e tv. Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/digital/179/coronelismo-eletronico-partidos-contra-regulacao-da-midia-sao-os-campeoes-de-concessao-em-radio-e-tv/.
Acesso em: 16 mar. 2018.
[7]O
GLOBO. Brasil registra segundo maior índice de confiança na mídia.
Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/economia/brasil-registra-segundo-maior-indice-de-confianca-na-midia-21532738>.
Acesso em: 15 maio. 2018.
[8] AUDI, Amanda. Entrevista: “A
imprensa ‘comprava’ tudo.” Assessora de Sérgio Moro por seis anos fala sobre a
lava jato. Disponível em:
<https://theintercept.com/2018/10/29/lava-jato-imprensa-entrevista-assessora/>.
Acesso em: 03 jun. 2020.
[9] Lawfare é o uso das leis para fins políticos
[10] BILENKY, Thais. Professor de Harvard
vê 'presunção de culpa' contra Lula na Lava Jato. Disponível em:
<https://m.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1829175-professor-de-harvard-ve-presuncao-de-culpa-contra-lula-na-lava-jato.shtml>.
Acesso em: 21 ago. 2017.
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